Desde que comecei a exercer profissionalmente alguma função dentro do Marketing eu trabalhei em empresas que tinham como clientes outras empresas. Mas no início isso era irrelevante pra mim. Durante minha graduação em Administração quando optei seguir para o Marketing e depois na pós em Marketing Digital, as teorias e a maneira de pensar nunca segmentou entre B2B ou B2C o conhecimento.
Na verdade, acho que a primeira vez que eu fui confrontado sobre experiência referente a empresa B2B ou B2C foi numa seleção que fiz para Coordenação de Marketing em um clube de assinatura de livros.
Nesse momento comecei a pensar: será que tem diferenças significativas no ponto de vista do conhecimento sobre o Marketing? Um profissional tem dificuldades de entregar resultado fazendo a migração? Se existe diferença, onde será que está?
Avançando alguns anos pra frente, vi que havia essa mesma dúvida mas muito mais específica:
Qual a diferença entre trabalhar com Marketing de Produto em empresas B2B e B2C?
Resolvi escrever sobre o assunto. Vamos começar do início.
O que é Marketing?
A American Marketing Association define a atividade da seguinte forma:
Marketing is the activity, set of institutions, and processes for creating, communicating, delivering, and exchanging offerings that have value for customers, clients, partners, and society at large.
Aqui podemos ver que não diferencia as indústrias, segmentos e se é uma empresa que vende para outras empresas ou se vende para o consumidor final (ou se vende para ambos).
Pensando na faculdade e em todos os livros teóricos sobre Marketing, nenhum deles especializa a atividade com essa divisão de B2B e B2C.
Até ao se analizar estudos de casos reais o exercício é muito mais entender o que foi feito sob a ótica da teoria de Marketing, os motivos que levaram a cada decisão de sucesso do que pensar somente nos exemplos de ações tomadas e querer replicar isso sem contexto e pensamento crítico.
O que se aprende é entender a teoria, entender a dinâmica no mercado, entender o Mix de Marketing e saber quando usar.
Acho que poderíamos simplificar da seguinte forma, para qualquer contexto o profissional de Marketing deveria saber responder as seguintes perguntas:
- Em qual negócio/categoria eu estou?
- Quem são meus clientes?
- O que eu estou vendendo?
- O que meus clientes estão comprando?
- Como chego nesses clientes?
- Quem está competindo comigo por esses clientes?
- Como me diferencio da concorrência de maneira relevante ao mercado?
Essas perguntas (a ordem acima não significa que você responde uma depois da outra nesse fluxo) estão diretamente ligadas a entender o Mix de Marketing, os famosos 4 P’s: Produto, Preço, Promoção e Praça (Distribuição).
Entender os clientes e o mercado vai ajudar a ter a melhor estratégia de Produto e pra onde está indo, a melhor estratégia de Preço, a melhor estratégia de distribuição (Praça) e a melhor estratégia de comunicação.
Isso tudo é agnóstico ao tipo de cliente final. Você pode usar essa base tanto para B2B ou B2C.
Como diz a definição da AMA sobre Marketing, a preocupação deve ser entregar valor para diferentes camadas do mercado. Marketing de Produto está muito conectado com isso.
Eu acredito que Marketing de Produto é o Marketing raiz.
É um retorno da atividade, feitas por um profissional de Marketing, de entender os clientes, o mercado, o produto e comunicar da melhor maneira possível para que as pessoas se interessem e acreditem que a escolha certa é o produto que está sendo comunicado.
Então, no ponto de vista da teoria de Marketing e da atividade como um todo não tem porque falarmos que um profissional teria dificuldade de navegar entre empresas B2B e B2C caso essa pessoa seja treinada e tenha estudado profundamente sobre a teoria de Marketing.
O que é Marketing de Produto?
Para responder essa pergunta vou trazer a definição da Product Marketing Alliance:
Simply put, product marketing can be summed up as the driving force behind getting products to market - and keeping them there. Product marketers are the overarching voices of the customer, masterminds of messaging, enablers of sales, and accelerators of adoption. All at the same time.
Assim como a definição de Marketing, a definição de Marketing de Produto não diz nada sobre o tipo de cliente da empresa. Todo e qualquer Product Marketer deveria encontrar a melhor maneira de levar os produtos ao mercado.
O profissional de Marketing de Produto vai precisar ser a voz dos consumidores, vai precisar conhecer quem são essas pessoas, entender muito bem a oferta, para criar a melhor mensagem, facilitar a venda e acelerar a adoção.
Tanto em B2B e B2C você vai precisar pensar no Go-To-Market, no lançamento de novidades, entender a jornada dos seus consumidores no processo de compra deles, pensar no posicionamento do produto e marca e ter que lidar com diferentes times dentro da empresa.
Então no nível macro da atividade não vai ter diferença.
Os fundamentos de Marketing de Produto não devem mudar porque eles são muito conectados com a teoria de Marketing que falei no tópico anterior.
Especificando um pouco mais, tanto o Marketing de Produto em empresas B2B quanto em empresas B2C você vai precisar:
- Entender a Buyer Persona
- Desenvolver múltiplas propostas de valor
- Utilizar dados para tomar decisões
- Criar estratégias de Go-To-Market
- Se preocupar com vendas
- E, no fim do dia, estará vendendo para uma ou um grupo de pessoas
Mas ter essa semelhança no nível macro não quer dizer que não tenham algumas diferenças. Claro que tem.
Só que em geral essas diferenças vão se encontrar mais no nível tático e operacional do dia a dia de um profissional de Marketing de Produto.
Mas esse lado é algo que o profissional pode facilmente se adaptar.
São diferenças que não vejo impactarem muito a atividade em si porque vejo que é muito próximo de diferenças naturais até entre o trabalho em duas empresas distintas, mesmo que elas estejam dentro do mesmo segmento.
Onde está a diferença entre Marketing de Produto B2B e B2C?
Vou começar falando os pontos que sempre surgem quando listam as diferenças.
Você vai escutar que uma grande diferença é o ciclo de vendas. Empresas que vendem para outras empresas costumam ter um ciclo de vendas maior, uma compra complexa e que exige um relacionamento com vendas mais próximo.
Não é uma compra por impulso, e nem algo transacional.
Enquanto em B2C você pode estar vendendo algo que pode ser consumido pelo seu cliente por impulso, em B2B isso não acontece… será? Mais sobre isso em seguida.
Outro ponto que falam sobre a diferença é a proximidade com outros times. Em empresas B2B, por ter essa questão do ciclo de vendas maior e vendas complexas, é bem provável que você precisará ser muito próximo ao time comercial.
Grande parte do seu trabalho nesse contexto será em criar materiais de Sales Enablement. Isso acontece porque seu cliente vai precisar conversar com seu vendedor para fazer a compra, então você tem que treinar muito bem as pessoas que fazem parte desse time.
Por outro lado, em empresas B2C, muitas vezes os clientes nem vão querer falar com um vendedor e pode ser que você nem queira que um vendedor participe da venda, afinal, dependendo do mercado, se isso acontecer seu custo de aquisição de clientes vai ser muito alto.
Nesse cenário é provável que sua interação será muito mais próxima e recorrente com o time de Produto. Você terá uma preocupação maior nos lançamentos, nas comunicações e na entender a jornada do seu cliente entre o momento da consideração de compra, na experiência de compra, no uso do produto e no pós-venda.
Outra é o tamanho do mercado. Empresas que vendem para outras empresas terão um mercado endereçável menor.
Numa região uma empresa que venda para o cliente final pode ter um universo de 100.000 clientes e nessa mesma região uma empresa que vende para outra empresa um universo de 1000 clientes.
É comum também ter o argumento de que ao lidar com produtos B2C existe aquele lado emocional e menos racional da compra. Já produtos B2B têm uma compra mais racional onde em um processo você lidará com diferentes buyer personas, que definem com clareza o que querem e deixam o lado emocional de fora.
Todas essas diferenças eu concordo que existem, mas eu não concordo tanto que seja o caso somente de categorizar em B2B e B2C.
Explorando melhor a diferença de fato
No tópico anterior eu deixem em aberto uma situação que reflete onde eu acredito que a diferença vive.
É natural que ao falar de B2B e B2C a gente automaticamente pense em um processo de compra complexo e um processo de compra transicional, respectivamente.
Isso porque ao falar de B2B vamos lembrar da Salesforce vendendo uma licença de software que custa RS 20.000,00 por mês e ao falar de B2C vamos lembrar da Coca-Cola vendendo uma lata de refrigerante por R$ 5,00 a unidade.
Mas e nos casos que a empresa B2C está vendendo um carro de luxo ou um apartamento? E a empresa B2B está vendendo a assinatura mensal de um software que custa R$ 50,00 por mês?
Os papéis não se invertem? A venda B2C passa a ser complexa e a venda B2B muito mais transacional. É provável que nesse nível é o cliente final que vai precisar pesar o orçamento para o investimento e o cliente empresa simplesmente passar o cartão corporativo porque já foi até provisionado esse valor no orçamento da empresa.
Aqui quero voltar ao início desse texto quando falei sobre entender o cliente, entender o mercado e pensar o Mix de Marketing. Veja como não é ser B2B ou B2C, nesse caso, é a oferta, como ela está no mercado e como as pessoas compram.
No caso da venda de um apartamento ou de um carro, bem provável que você terá que treinar e preparar materiais de vendas que serão usados para Enablement do vendedor. Já na venda B2B de ticket-médio baixo você atuará muito próximo ao time de produto pois a jornada de compra será guiada pelo usuário final e o seu produto que vai guiar o crescimento.
Aliás essa última situação está muito em alta com o conceito de Product Led Growth.
A questão emocional e racional, eu também não acredito que seja algo binário, 1 ou 0: B2C é possível apelar pro lado emocional e B2B é puramente racional.
Fosse assim, todo o esforço de criação de marca seria em vão, afinal, um comprador que é uma empresa não será influenciado emocionalmente em sua decisão.
Falei nas semelhanças que nos dois cenários, no fim do dia, estamos vendendo para outras pessoas. Mesmo que numa venda B2B é comum imaginarmos diferentes personas no processo, o lado emocional vai funcionar sim.
Ainda mais quando imaginamos esse universo de produtos de tecnologia, SaaS, que precisam de volume para escalar pois tem ticket-médio baixo.
Indo além, eu gosto muito da Teoria do Jobs To Be Done. E ela é muito usada no universo de produtos B2B também. E uma das linhas da teoria aborda 3 tipos diferentes de jobs:
- Funcional
- Emocional
- Social
Desses 3 jobs, dois deles se referem ao lado irracional das decisões (Emocional e Social) e um deles ao lado racional da decisão (Funcional). Aqui usando irracional para falar em escolhas que serão guiadas por decisões que não estão focadas na tarefa em si a ser executada, algo que é explorado no job funcional.
Então, não é porque uma compra vai levar 3 meses para ser fechada e não terá como ser estimulada para ser realizada por impulso, que não pode ter um foco grande no lado emocional durante esse processo.
O último ponto é o tamanho de mercado. Acho que esse é o único das diferenças mais tradicionais quando falamos em Marketing de Produto B2B e B2C que pra mim faz sentido na maioria dos casos.
Claro que podemos pensar em produtos de luxo, que por serem exclusivos podem ter um número limitado de clientes. Mas acho que mesmo nesse sentido, mesmo sendo exclusivo, o mercado endereçável tende a ser maior.
Existem muito mais pessoas do que empresas. Então com essa diferença de mercado endereçável o Product Marketing Manager (PMM) em empresas B2B precisa se preocupar muito que está otimizando a mensagem para não correr o risco de queimar um negócio que depois fica difícil de reverter.
Para se proteger dessa situação um PMM em empresas B2B vai precisar fazer um trabalho grande em identificar e criar o Perfil de Cliente Ideal enquanto um PMM em empresas B2C terá uma massa de clientes muito maior, e vai precisar utilizar outras maneiras para categorizar, definir e engajar os melhores clientes.
Nesse sentido, utilizar Customer Relationship Marketing (CRM, mas não a ferramenta) vai ter um papel fundamental. Busquei uma definição sobre o assunto:
Customer relationship marketing (CRM) is a technique based on client relationships and customer loyalty. Using customer data and feedback, companies utilizing this marketing strategy develop long-term relationships with customers and develop laser-focused brand awareness. Customer relationship marketing varies greatly from the traditional transactional marketing approach that focuses on increasing individual sale numbers.
Claro que empresas B2B também buscam isso, mas eu vejo que nesse caso, empresas B2C e PMMs nessas empresas, precisarão utilizar estratégias de CRM para poder entender bem quem são os clientes pois serão em números muito maiores do que em B2B.
Veredito final
Depois de tudo que escrevei eu acredito que não existem diferenças que sejam uma barreira para atuar com Marketing de Produto em empresas B2B ou B2C.
No que diz respeito a teoria de Marketing e de Marketing de Produto você vai seguir os mesmos princípios independente de quem é seu cliente.
Também vejo que muitas diferenças que se fala sobre B2B e B2C é mais em qual é a oferta, o preço dessa oferta e como ela impacta o cliente do que algo intrínseco dessas diferentes organizações.
Dizer que diferenças no dia-a-dia de trabalho do profissional impactam na atividade de Marketing de Produto não acho certo. Porque nesse caso toda e qualquer mudança de empresa, indo para segmentos diferentes seria uma grande barreira. E não acho que seja.
Em toda mudança tem aquele período de adaptação e aprendizado, mas isso as próprias empresas consideram e todas tem período de experiência e de onboarding.
Por isso que eu acredito muito em dominar os fundamentos e estudar muito o lado teórico. Faça isso e as barreiras sobre diferença de trabalho caem por completo.