Esse artigo eu escrevi em 2011 para um blog que eu colaborava chamado Amo Marketing. Volta e meia eu me pegava pensando sobre esse texto porque lembro que gerou alguma polêmica nos comentários, mas não lembrava exatamente o que havia escrito. Felizmente, eu encontrei o artigo navegando no Amo Marketing através do Web Archive e resolvi postá-lo aqui com comentários sobre o que escrevi quase 10 anos atrás.
Tem uma razão por trás da vontade de realmente tentar achar esse artigo, mas vou colocá-la ao final do texto. Os comentários atuais serão feitos quando eu achar necessário e serão destacados da seguinte forma:
Quando tiver um texto como um blockquote é um olhar atual do que eu escrevi.
Os próximos parágrafos são os do texto escrito em 2011 para o blog Amo Marketing.
Nos tornamos reféns das pesquisas?
Algumas vezes diferentes situações nos ajudam a formar novas idéias, propor novas discussões. No meu caso a leitura de alguns livros e um post que li no blog Unplanned me levaram a formular a pergunta do tópico: “Nos tornamos reféns das pesquisas?”.
O primeiro exemplo vem da história do desenvolvimento das nossas ciências. Quanta coisa foi descoberta, quantas propostas foram feitas e se mostraram verdadeiras a partir de reflexões filosóficas? Uma pessoa tinha uma idéia sobre como funcionavam as coisas e fizeram descobertas geniais!
As informações que tinham era estudos de outras pessoas com recursos limitados para fazer as pesquisas. Tinha muito “feeling”, o sentimento de que aquilo era verdade. Erros ocorreram, mas também muitos acertos.
Alguém pode questionar: “Ok, mas muito foi provado ser verdade através de pesquisas futuras!”. Sim, concordo. Mas a pesquisa só confirmou o que já era certo. Ela não foi o motivador pra se tomar decisões.
O segundo exemplo é sobre um livro chamado “Febre de Bola” do autor inglês Nick Hornby. A história toda gira em torno da vida do autor e sua relação com o Arsenal, time londrino ao qual Hornby é torcedor fanático.
Ele vai relacionando os fatos de sua vida com fatos relativos ao Arsenal. Além disso, descreve um perfil de torcedor que ele formou por sua vivência, por sua observação do mundo do futebol, onde estava inserido profundamente.
O livro é de 92. Esse ano meu TCC pra faculdade tratou sobre o comportamento de consumo de torcedores de futebol. O perfil descrito por Hornby se enquadra num tipo específico de torcedor, conhecido como “Fanático”.
Ele não precisou entrevistar ninguém, simplesmente sua vivência o fez ver como era o comportamento (o interessante das minhas leituras sobre o assunto é que o torcedor se comporta de maneira semelhante independente do esporte).
O terceiro exemplo vem do livro “Freud Foi Um Neurocientista” do autor Jonah Lehrer. A idéia dele foi mostrar como artistas antecipam descobertas da neurociência.
Então traz exemplos de escritores, músicos, pintores e chefs de cozinha que tinham na essência do seu trabalho descoberto sensações e a maneira como nos comportamos simplesmente por sua vivência (não sei o que os motivou mas os resultados foram depois mostrados pelas neurociências).
Claro, que nenhum desses artistas teve a pretensão de incluir suas idéias nas ciências, mas será que não podiam ter auxiliado se alguém tivesse dado o devido crédito ao que diziam e não somente ficado apegado ao que os pesquisadores da época afirmavam?
Não consigo lembrar exatamente a minha motivação para escrever esse post sobre não precisar fazer pesquisas o tempo todo para tomar decisões. Os 3 exemplos acima contam alguma situação onde através do conhecimento, da vivência, da experiência e de observações pessoas chegaram a ideias e conclusões relevantes sem precisar empregar alguma pesquisa formal para tal. Deve ter sido alguma situação onde se insistiu usar uma pesquisa, ou o resultado dela, quando havia outras informações sem algo formal sendo trazidas para a conversa. No final do texto tem uma passagem que talvez explique o contexto onde tudo começou.
Eu não quero aqui dizer que pesquisar não é importante. Claro que é. O que quero levantar é se existe a necessidade de pesquisar PARA TUDO o que fazemos!
A Coca-Cola gastou rios de dinheiro em pesquisa e fracassou com a “New Coke”. Se as pesquisas feitas fossem 100% verdade a Pepsi seria líder e a Coca que correria atrás. A cada ano conceitos mudam porque novas pesquisas deixam claro que as antigas não eram certas. Muitas vezes descobertas são feitas por acaso, quando não estávamos procurando. A incerteza muitas vezes rege o mundo.
O caso da New Coke é emblemático no mundo dos negócios porque uma pesquisa gigantesca acabou gerando um produto que fracassou de forma tão grande que a Coca-Cola teve que voltar atrás em pouco tempo. Um grande problema é que não levou em consideração a questão emocional da marca como um fator importante na percepção dos consumidores e clientes a respeito do sabor do seu produto. Num teste cego as pessoas tinham a tendência de preferir o gosto mais doce da Pepsi, mas ao colocar as marcas em jogo isso não era verdadeiro. Se a Coca-Cola preparou e interpretou mal resultados de uma pesquisa com toda a estrutura que deve ter tido, vamos pensar nas nossas empresas que muitas vezes nem tem as competências necessárias e nem o volume ou tempo para realmente preparar alguma pesquisa bem estruturada?
Caso estivermos vivendo como reféns da pesquisa e só acreditamos no que vemos em números (talvez entre a natureza humana de querer achar padrão sempre), podemos cometer equívocos ao utilizar a ferramenta que julgamos indispensável!
Por que não confiar as vezes na nossa observação? Por que não confiar que estamos tomando a melhor decisão MESMO sem o amparo de uma pesquisa por mais científica que seja? Esses tempos li uma frase no Twitter que dizia algo como “Pesquisa é o que eu faço quando eu não sei o que estou fazendo” (se alguém souber o autor por favor me diga). Pesquisa é isso, quando não se tem idéia do que se faz é indispensável. O que acontece é que então será feita de maneira mais correta, mais cuidadosa, mais séria.
Aqui temos uma parte que o Felipe de 2020 não concorda tanto com o Felipe de 2011. Não vejo que pesquisa serve só para coisas que não sabemos, pelo menos não com essa ideia de que alguma pessoa pode sempre estar certa apenas por experiência e observação. Erramos muito também. Mas, de qualquer forma, eu concordo que tem muitos casos que forçamos ir atrás de números em situações que isso talvez seja o pior a ser feito.
As pessoas têm a capacidade de sentir a verdade, digamos assim. Nosso conhecimento de mundo, nossa observação, nosso estudo, tudo isso nos auxilia na hora de decidir.
Está na hora de por na cabeça que nem sempre as pesquisas dão os resultados reais! E tenho certeza que um dos fatores é tentar tirar o lado humano, o lado do nosso conhecimento, dela.
Eu gosto muito da história da Coca porque se os executivos tivessem parado e pensado “O que importa que a Pepsi descobriu que num teste cego as pessoas gostam mais dela por ser mais doce! Se isso fosse fundamental eles já tinham nos destruído”, não teria ocorrido o fracasso da “New Coke”.
Pra terminar esse longo post quero trazer uma conversa com uma amiga. Eu dei uma opinião sobre um assunto que envolvia a Classe A e a sustentabilidade. Ela me disse assim: “Não podemos ficar com ‘achismos’. 30% da classe A está preocupada com os produtos sustentáveis” (não recordo se era essa porcentagem).
A discussão inicial era a proposta de se vender refil de produtos de beleza de luxo reaproveitando a embalagem. O custo seria mais baixo do produto. Eu disse que a questão do luxo é complicada, pois tem muito de exclusividade.
Baixa o preço, perde a exclusividade e pode haver um desinteresse. Ela me respondeu com aquele dado.
E eu perguntei: “Vocês estão buscando também o consumo dessa classe de produtos sustentáveis?”. Ela disse que não.
Por acaso um dia antes eu tinha escutado no pós sobre alguns dados que a conclusão era: “as pessoas falam que são a favor de produtos sustentáveis mas dizem que não estão dispostas a pagar mais por isso”.
No meu ponto de vista, a pesquisa que ela está fazendo por achar que DEVE ser feita vai ter um resultado com um baita viés.
Vai considerar o que as pessoas dizem e não como elas estão consumindo. Então, vamos dar mais créditos pras coisas que acreditamos e não vamos nos tornar reféns da pesquisa “por pesquisar”.
Talvez essa situação que relatei que aconteceu comigo na época possa ter sido o motivador de tudo. Não lembro dessa conversa, mas vendo os exemplos e casos que citei ao longo do tempo parece que o meu problema na época era desconsiderar problemas que podem vir de pesquisas e não necessariamente fazer pesquisas. Era achar que com uma pesquisa as respostas serão sempre as mais fiéis do que qualquer outra fonte. Acho que era mais a falta de senso crítico sobre usar pesquisas para tomar decisões do que escolher fazer uma pesquisa para descobrir algo.
Precisamos de pesquisa para tudo?
Saindo de 2011 e voltando ao presente. Lá no início eu falei que volta e meia lembrava que havia escrito esse texto, mesmo sem lembrar o conteúdo dele. Vou explicar o motivo.
Um tempo atrás eu postei no Twitter:
Dúvida: toda definição de produto precisa de processo de Discovery?
— Felipe Barbosa (@felipecb_) March 23, 2020
Mais uma vez não lembro exatamente o que fez escrever esse tweet, mas entendo que por trás dessa pergunta tem a seguinte ideia:
Será que para essa determinada decisão de produto nós realmente temos que fazer um processo de Discovery?
Entendo que nunca vamos saber 100% tudo sobre nossos clientes e usuários, mas acredito que tem padrões de comportamento e expectativas de pessoas em diferentes tipos de produtos que está mais que estabelecido pelo menos um nível básico do que deve ser feito.
Será que tudo precisa ser resolvido de uma maneira melhor ou inovadora? Ou tem coisas que são praticamente commodity e uma melhoria não trará tanto valor assim? Que talvez possa se começar com algo básico e depois tentar descobrir alguma coisa nova? As vezes outras empresas já resolveram um problema de uma maneira boa o suficiente para se começar caso a sua empresa não tenha nada.
Vou pegar um exemplo de ferramentas de Automação de Marketing que é um mercado de produtos SaaS que eu acompanho faz um bom tempo.
Quando entrei nele, lá em 2014, criar automações com fluxos visuais, ou seja, estilo um fluxograma já existia em produtos como Eloqua e Marketo. Nas ferramentas que estava surgindo nenhuma tinha esse padrão.
Daí apareceu o Autopilot que tinha uma forma visual de criar jornadas que era sensacional. Lembro que olhamos aquilo e pensamos: nossa, isso faz muito sentido. Chegamos a falar várias vezes que seria interessante a gente seguir aquela mesma linha, porque permitia criar fluxos de automação com regras que ficavam muito fáceis de ver.
Bom, não falávamos com essas palavras Product Discovery, mas existia a barreira do “será que essa é a melhor forma de resolver o problema?”. Bom, com o passar dos anos todas as ferramentas começaram a ter criação de fluxos de mensagens com esse conceito de fluxograma. O design muda, mas a ideia é a mesma.
Um outro exemplo é facilitar para pessoas não técnicas implementar o tracking de eventos em ferramentas de Product Analytics de forma visual.
Lembro que nessa época que estava na startup de automação, havia o Heap Analytics com esse conceito e uma ferramenta chamada Popcorn Analytics que era focada em fazer apenas isso e a pessoa podia mandar os dados para diferentes ferramentas através de integrações nativas.
Hoje o Mixpanel tem isso e recentemente o Segment lançou essa funcionalidade.
Acho que aqui tem um outro ponto sobre toda a temática desse artigo sobre apostar tudo em pesquisas é que as inovações muitas vezes vem de uma aposta. Um produto pode ser uma aposta que dá certo ao longo do tempo. No próprio Lean Startup o Eric Ries fala do Leap of Faith, ou seja, aquele momento que a empresa realmente caminhas às cegas no início.
Olhando lá para 2011 e pensando agora, acho que a ideia central de todo esse questionamento é não se prender a querer encontrar todas respostas para tomar decisões em pesquisas, sejam elas de mercado ou mais tradicionais, sejam elas modernas e que estão em alta.
Sei que é legal a gente sempre falar de hipóteses, pesquisas e discovery, mas nada é bala de prata. E também tem o fato de que uma pesquisa ruim, e já vi muita pesquisa ruim sendo feito, vai levar a resultados ruins. Isso é preciso ser levado em conta no dia-a-dia.
Com certeza tem situações que o primeiro passo é melhor que seja dado com velocidade na decisão, seja porque é algo que o mercado já espera de um determinado tipo de produto, seja porque é uma oportunidade de ser inovador.
Pesquisa é importante, entender o mercado e os clientes e usuários é fudamental. Mas vamos tomar cuidado para que não fiquemos paralisados em nossas decisões por causa disso. Nem sempre será necessário para dar o primeiro passo.