Existem dois conceitos dentro de Marketing que eu gosto muito: Miopia em Marketing e Posicionamento. São duas ideias que surgiram mais ou menos no fim da década de 60 e início de 80, respectivamente, e que ainda são muito importantes de serem entendidos.

Entendendo ambos a empresa consegue responder:

  1. Em qual negócio eu estou?
  2. O que eu estou vendendo?
  3. O que meus clientes estão comprando?
  4. Quem está competindo comigo por esses clientes?
  5. Como me diferencio dessa concorrência de maneira relevante ao mercado?

O tempo passa e surgem técnicas e frameworks que tentam ajudar a encontrar essas respostas. Mas mesmo assim, esses conceitos criados há 50/40 anos atrás ainda são desafiadores para as empresas.

Quem consegue entendê-los bem, consegue criar uma estratégia melhor do que a concorrência e assim conquistam uma lugar privilegiado no mercado e na cabeça das pessoas.

Vamos ver o que cada uma dessas ideias significa.

Miopia em Marketing

A ideia de Miopia em Marketing foi apresentada pelo Theodore Levitt lá na década de 60.

É bem provável que se você trabalhe com Marketing e Produto já tenha cruzado com uma frase clássica que costuma ser atribuída a ele que diz mais ou menos assim:

As pessoas não querem uma broca de 4 polegadas. Elas querem um furo de 4 polegadas.

Apesar da frase não ser dele, ela aparece em um capítulo de um de seus livros e tem tudo a ver com esse conceito criado por ele.

Miopia em Marketing é:

A short-sighted and inward looking approach to marketing that focuses on the needs of the company instead of defining the company and its products in terms of the customers’ needs and wants. It results in the failure to see and adjust to the rapid changes in their markets.

A empresa é míope quando não enxerga o mercado com clareza. Não consegue entender as necessidades e desejos de seus clientes e só está preocupada com as suas próprias necessidades.

Os times, de todos os níveis hierárquicos, olham apenas para dentro.

Levitt argumenta que as empresas se tornam míopes porque acreditam que estão em uma “indústria do crescimento”:

Every major industry was once a growth industry. But some that are now riding a wave of growth enthusiasm are very much in the shadow of decline. Others, which are thought of as seasoned growth industries, have actually stopped growing. In every case the reason growth is threatened, slowed, or stopped is not because the market is saturated. It is because there has been a failure of management.

Essas empresas que só olham para dentro e se enxergam dentro desse contexto de crescimento acreditam que isso continuará ocorrendo.

Por isso ao invés de olhar para o mercado, para as necessidades e desejos dos clientes e procurar se adaptar o que estiver ocorrendo de mudanças, elas apostam na longevidade de seus produtos.

Ao se tornarem míopes elas caem nessa armadilha porque decidem não se fazer uma pergunta crucial:

Em qual negócio estamos?

Um dos exemplos apresentado por ele para mostrar como isso ocorre é o das empresas de ferrovias nos Estados Unidos.

As empresas de ferrovias eram gigantes. Faturavam muito dinheiro com a expansão dos territórios norte americanos. Elas achavam que estavam nessa growth industry.

Por não olhar para o mercado e focar somente em si, não viram o desenvolvimento das estradas, popularização dos carros e viagens aéreas. Com o tempo novas opções de transporte se fortaleceram e entraram na concorrência.

Os gestores dessas empresas não se perguntaram e questionaram qual era o negócio deles. Eles não conseguiam enxergar algo diferente do que faziam.

Para essas pessoas as suas empresas estava no negócio de viagens de trem quando na verdade estavam em um negócio de transporte, mobilidade ou algo nessa linha.

No artigo Levitt também cita o caso de uma empresa de petróleo que deixou de acreditar que estava no negócio de petróleo e viu que estava no negócio de energia.

Então, o que muda quando uma empresa não é míope em seu Marketing?

Ela vai ter clareza sobre:

Qual é o seu mercado de atuação real, porque vai entender o que está vendendo (a broca ou o furo?), o que os clientes estão comprando (o furo ou o quadro na parede?) e quem compete com ela nesse contexto.

Se formos parar para pensar, existem algumas outras ideias que de tempos em tempos reciclam maneiras de se chegar nessas mesma conclusão:

  • É preciso entender as dores dos clientes.
  • Desvendar e entender os Jobs To Be Done.
  • A empresa tem que ser Customer Centric

Tudo isso vem surgindo ao longo do tempo, mas não é nada muito diferente do que Levitt argumentava ser importante quando apresentou o conceito de Miopia em Markeing.

Legal, agora você conseguiu responder as 4 primeiras perguntas que apresentei lá no início do artigo. Você está prestando atenção no mercado.

E agora?

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Você precisa ser reconhecido e lembrado.

Posicionamento em Marketing

Existem livros inteiros sobre Posicionamento então não pretendo que uma parte de um artigo vá trazer tudo sobre o assunto. A minha ideia é contextualizar e dar uma visão geral do que significa isso.

Para começar quero deixar uma coisa bem clara:

Todas as empresas têm um posicionamento, mesmo que elas nem saibam disso.

E por que isso acontece? É muito simples. O Posicionamento acontece na cabeça das pessoas. É uma percepção delas.

Imagine a situação: o que acontece quando chegamos em um lugar que ninguém nos conhece? Todos têm uma impressão de quem somos e começam a formar na cabeça delas uma percepção sobre quem a gente é.

O mesmo acontece com empresas (ou produtos, ou marcas). Todas já são posicionadas no mercado, o segredo é controlar esse posicionamento.

Se por um lado a ideia de Miopia de Marketing surgiu para mostrar que as empresas devem enxergar com clareza o mercado, o Posicionamento vem para mostrar como ser relevante e diferenciado nesse mercado.

Mais ou menos 10 anos depois de Levitt falar sobre Miopia em Marketing, Al Ries e Jack Trout publicam em diferentes periódicos artigos falando sobre Posicionamento.

Os artigos fizeram tanto sucesso que em 1981 é publicado o livro Posicionamento - A Batalha por Sua Mente.

Mas como se define Posicionamento? Algumas definições de diferentes fontes.

Positioning is the act of deliberately defining how you are the best at something that a defined market cares a lot about.

Essa definição mostra um ponto muito importante. Posicionamento em Marketing significa deliberadamente definir como você quer ser percebido pelo mercado naquilo que você é melhor que a concorrência em algo que esse mercado se importa muito.

Você precisa controlar a mensagem.

A marketing strategy that aims to make a brand occupy a distinct position, relative to competing brands, in the mind of the customer. Once a brand/product is positioned, it is very difficult to reposition it without destroying its credibility.

Nessa definição outro elemento importante aparece: é uma estratégia de Marketing.

Isso significa que Posicionamento é uma estratégia do negócio como um todo. Por isso que para uma empresa construir o seu é preciso envolver os diretores (C-Level, VPs e quem tiver o poder de tomar esse tipo de decisão) nas conversas e são eles que irão bater o martelo sobre qual caminho seguir.

Esse caminho precisa ser relevante e essa estratégia tem como objetivo fazer com que a empresa (marca, produto) ocupe um lugar distinto na cabeça do seu público e que se diferencia da concorrência.

Is a mental device used by consumers to simplify information inputs and store new information in a logical place. Is an organized system for finding a window in the mind.

Aqui temos o elemento central de qualquer conversa sobre o assunto. O Posicionamento de uma empresa vai sempre acontecer na cabeça das pessoas. É como elas vão organizar toda mensagem e comportamento que recebem das empresas.

É importante saber que você deve escolher como ser lembrado e fazer de tudo para isso se tornar verdade.

As pessoas não levam em conta apenas o que uma empresa diz que é, mas sim o que ela diz e tudo que ela faz.

O Posicionamento deve ser relevante para o mercado e, além de dizer claramente o que a empresa é deve deixar claro o que ela não é.

Um Posicionamento bem formalizado vai passar a mensagem certa para as pessoas certas e não vai causar confusão sobre quem não terá sucesso ao se relacionar com a empresa.

Não é preciso ter medo de excluir algum grupo de pessoas ao se posicionar.

Quem quer vender para todos, não vende para ninguém.

Como começar a criar o Posicionamento?

O livro clássico do Al Ries e Jack Trout não trazem nenhuma maneira estruturada de se criar o Posicionamento.

Isso faz sentido se pensarmos que ele deve ser criado através de atividades já comuns quando se fala em planejamento estratégico, pesquisa de mercado, análise SWOT e tudo que já se fazia para entender o mercado e as pessoas.

De qualquer forma algum tipo de guia sempre é útil e nas últimas décadas surgiram alguns modelos.

Como posicionar uma marca ou produto é uma decisão estratégica ela tem uma certa visão do futuro. O que a nossa empresa deseja ser para se diferenciar das outras de maneira relevante?

É como uma promessa que se faz ao mercado. Então, até que ponto devemos ir?

Temos o estado atual da empresa e um possível estado futuro.

Se o Posicionamento fica somente no estado atual, pode ser forte por um tempo mas ficar preso a ele e não enxergar o que acontece fora a ponto de se tornar míope, representa uma ameaça.

Mas também ficar somente em um estado idealizado vai ser difícil se tornar relevante e sólido porque a própria empresa pode não ter o que é necessário para colocá-lo em prática.

Em um livro chamado Positioning for Professionals: How Professional Knowledge Firms Can Differentiate Their Way to Success vi uma imagem bem simples que dá uma boa noção de como equilibrar isso:

Como posicionar sua empresa?

Entre o estado atual e o aspiracional, o Posicionamento vai ter boa parte o elemento de onde se quer chegar.

Qual posição se quer defender e se diferenciar.

Existem diferentes estratégias de como se posicionar, mas uma que eu acho muito interessante e quando bem feita dá grandes resultados é a de se criar um novo mercado caso você não possa ser o líder do seu.

Tem dois casos que são emblemáticos no mercado de produtos de tecnologia: HubSpot e Drift.

No caso da HubSpot a empresa criou todo um mercado de Inbound Marketing, posicionou sua ferramenta de Automação de Marketing como sendo de Inbound Marketing e se tornou a líder nesse segmento.

É importante lembrar que antes deles criarem esse termo, Seth Godin havia escrito um livro chamado Permission Marketing com idéias muito semelhantes. Isso lá em 1999.

A HubSpot precisou fazer um esforço muito grande para educar o mercado e por na cabeça dos profissionais ao redor do mundo que Inbound Marketing era a melhor maneira de se trabalhar e que a ferramenta deles era essencial para isso.

Um caso mais recente é o do Drift. Eu acompanho eles e o Intercom faz muito tempo. Lembro quando o Drift lançou seu Beta e ainda tinha como nome Driftt.

No início, tanto eles quanto Intercom, focavam no mesmo público: times de Produto.

Eles vendiam um atendimento e contato mais próximo com os usuários dentro dos produtos.

Com o tempo o Drift foi mudando seu foco, passou a falar com times de Vendas e Marketing. Então, veio o termo Conversational Marketing.

Escreveram livro sobre isso. Falam sobre isso o tempo inteiro. Criaram um novo mercado e são os líderes.

Pode não ser um mercado grande, mas já vi outras empresas que vendiam algum tipo de produto de comunicação que passaram a usar Conversational Marketing como definem o que fazem e o que oferecem.

Dá pra dizer que tão conseguindo um certo sucesso, não acham? Dessa maneira eles se distanciam do Intercom e de outras ferramentas.

Algumas ferramentas para definir o Posicionamento

Recentemente li o livro Obviously Awesome: How to Nail Product Positioning so Customers Get It, Buy It, Love It e a autora April Dunford mostra 10 etapas a serem seguidas para criar o Posicionamento.

Esse artigo do Userlist mostra na prática essas 10 etapas que são:

  1. Understand the Customers Who Love Your Product
  2. Form a Positioning Team
  3. Align Your Positioning Vocabulary and Let Go of Your Positioning Baggage
  4. List Your True Competitive Alternatives
  5. Isolate Your Unique Attributes or Features
  6. Map the Attributes to Value “Themes”
  7. Determine Who Cares a Lot
  8. Find a Market Frame of Reference that Puts Your Strengths at the Center and Determine How to Position in It
  9. Layer On a Trend (but Be Careful)
  10. Capture Your Positioning so It Can Be Shared (Positioning Canvas)

No livro (e no artigo da Userlist) você terá todos os detalhes mas tem um template que a April traz em um artigo do Hackernoon que é bem interessante:

Positioning Template

Um outro modelo bem famoso é o do livro Crossing the Chasm, do Geoffrey Moore. O Positioning Statement Template:

Positioning Statement Template

Apesar de serem modelos que podem parecer semelhantes, existe uma diferença sobre como preenchê-los.

O da April é mais alto nível, ele vai ser preenchido depois de todo um estudo (as 10 etapas) e o do Moore é preenchido pensando muito no estado atual de uma empresa.

Eu prefiro guiar a criação do posicionamento através dos ensinamentos teóricos e conceituais do Al Ries e Jack Trout com o guia proposta pela April Dunford.

O modelo do Moore ajuda a ser uma maneira simples de preencher cada item com o que foi definido anteriormente e divulgar internamente com os diferentes times.

Isso para não parecer que é só preencher aqueles campos que o Posicionamento irá se refletir automaticamente.

Como se traduz o Posicionamento?

Após todo esse esforço interno de construir qual será a estratégia de Posicionamento de mercado ele precisa ser colocado para fora e ser trabalhado para se tornar relevante e verdadeiro.

De maneira geral ele é refletido pela promessa da marca.

Essa promessa será passada através de slogan, tag line, conteúdos produzidos, copy do site e materiais, eventos e em cada ponto de contato das pessoas com a sua empresa.

É um esforço diário de traduzí-lo e torná-lo verdadeiro. Ele precisa ter o suporte de tudo o que a empresa diz e faz.

Cada pessoa dentro da empresa é responsável por ajudar a construir essa percepção na cabeça dos clientes e daquelas pessoas que tem o perfil de serem clientes.

Não se esqueça disso.

TL;DR

Se tem uma ideia geral que resume tudo que foi escrito nesse artigo é:

A melhor maneira de crescer é entender o mercado, o que a empresa vende e o que as pessoas estão comprando (não ser míope). Para se diferenciar nesse mercado é preciso se Posicionar e ser o agente principal da construção desse Posicionamento.

E agora?

Um exercício interessante de se fazer é pensar na sua própria empresa. Então, antes de ir tente responder:

  1. Em qual negócio sua empresa está?
  2. O que ela vende?
  3. O que os seus clientes estão comprando?
  4. Quem está competindo com você por esses clientes?
  5. Como me diferencio dessa concorrência de maneira relevante ao mercado?

E aí, foi fácil responder? Se foi, será que todos da sua empresa responderiam igual?