Esses tempos me perguntaram quais eram as diferenças que eu via no meu trabalho com Marketing durante meu tempo no Route e na Umbler e agora no Grupo A no time da Blackboard e Rosetta Stone.
Na hora dei uma resposta mas acho que não explorei bem as diferenças entre trabalhar em empresas que vendem para PMEs e para uma que vende para grandes empresas. Mas hoje eu completo 1 ano trabalhando com Marketing de produtos enterprise e resolvi pensar e escrever sobre as diferenças e novos desafios que encontrei.
Vamos lá. Essas são as diferenças.
O Ciclo e Processo de Vendas
A primeira grande força que impactou a maneira de trabalhar o marketing nem é algo da atividade normalmente atribuída aos times de Marketing e sim o que diz respeito a Vendas.
No que diz respeito ao ciclo e processo de vendas o Route e a Umbler eram semelhantes a tantos outros SaaS (ou PaaS, ou IaaS) que atendem ao público PME.
Esse processo é basicamente self-service, compras recorrentes de ticket médio baixo. Seria algo assim:
- O Marketing cria suas estratégias de aquisição e as executa
- Testa diferentes canais e começa a ver quais são os mais efetivos para atrair clientes
- Investe nesses canais e tenta manter o custo de aquisição baixo (o que é baixo é relativo, mas algo que mantenha o LTV 3x maior que o CAC)
- Utiliza de fluxos automatizados de mensagens para ir qualificando os usuários (que provavelmente estarão em um período de testes)
- Toma uma ação direta para estimular o fechamento da venda também de maneira automatizada criando gatilhos que indiquem que o lead está pronto para pagar
Esse processo todo tende a durar o tempo do período de testes (7, 14, 30 dias) e com a menor interação possível com as pessoas da empresa (nesse cenário estou assumindo que aquela fase bem inicial onde fazer as coisas mais manuais e que não escalam são necessárias).
Por que quanto menor a interação melhor? Porque como é um público PME e o ticket médio é mais baixo, o Custo de Aquisição de Clientes seria muito alto para valer a pena.
Com isso a atividade de Marketing passa a ser responsável por muitas etapas do funil. É o que se lê e ouve toda hora quando falamos de Growth Hacking, Growth Marketing e praticamente tudo que se encontra sobre Startups.
Claro que isso não quer dizer que todas as Startups vendem para PMEs, existem muitas que focam no público Enterprise, mas é menos comum vermos exemplos sobre elas. Talvez por estar dentro da mesma lógica que irei descrever agora.
Quando falamos de empresas que querem atender o público Enterprise de ticket médio alto, a hora da verdade se dá durante o processo de Vendas. O time de Marketing vai ter 2 papéis: gerar demanda e dar suporte ao time comercial.
É muito improvável que o time de Marketing irá gerar o lead e convertê-lo sem o trabalho do time de pré-vendas, dos engenheiros de soluções e dos executivos de contas.
O ciclo de vendas é complexo, geralmente o relacionamento já existente entre as pessoas envolvidas conta muito. Não é algo tão transacional quanto alguém entrar no funil e em pouco tempo colocar seu cartão de crédito e se tornar cliente.
Isso significa também que as ações de Marketing para auxiliar o time de Vendas vai precisar levar em consideração cada trimestre (devido as metas de cada quarter) e o conjunto da obra terá que refletir as metas no final do ano.
Por mais que exista a preocupação de auxiliar nas outras etapas do funil, a geração de leads e de demanda vai ser o principal ponto do time de Marketing de produtos Enterprise.
Leads: Volume x Qualidade
No Route e na Umbler sempre trabalhamos com grandes números de leads e usuários. Como o processo de aquisição,qualificação e conversão era basicamente automatizado, podíamos nos dar ao luxo de ter pessoas em nosso funil que não tinha o perfil de nossos clientes.
Poderíamos ter problemas por isso? Sim, existe um custo em atrair pessoas sem perfil que se tornam clientes ruins, mas como o foco é na escala, é preciso um número grande de leads e usuários.
Isso não vale para produtos com venda complexa. Seria lindo se conseguíssemos gerar uma demanda tão grande que em um mês, 500 leads entrassem e 50 resolvessem pagar em média algo como R$500.000,00. Com o menor contato humano possível.
Na realidade no ano, serão gerados 700 MQLs, por exemplo. Não vai fugir muito disso. Por quê? Porque não terão tantas empresas com o perfil necessário para fazer o investimento necessário. Ah, você pode estar pensando agora alguns casos onde empresas que vendem para o público Enterprise tem milhares de clientes.
Mas essas não vendem exclusivamente para esse mercado. Elas vendem também para esse público, mas tem uma base de clientes grandes nas PMEs, em vendas mais transacionais.
Hoje no Grupo A, sabemos que para a Blackboard e Rosetta Stone não será no volume que iremos ganhar e sim acertando no perfil certo. Ao invés de pescar com rede iremos pescar com arpão.
Isso porque após gerarmos o lead e os qualificarmos como MQL, passaremos o bastão ao time de Comercial e lá eles farão a sua qualificação em SQL e só então um Executivo de Conta será acionado.
O trabalho do Executivo vai ser tão bom quanto os prospects que chegam até ele. Se chegarem prospects sem perfil algum ou com qualificação ruim, o Executivo irá perder seu tempo.
Então lá na frente o Marketing vai ter que abrir mão do volume e focar na qualidade.
Um termo que está em alta agora no Brasil é o Account Based Marketing, ou seja, o Marketing vai trabalhar pensando em contas mais do que em leads. Isso vai gerar números menores mas com mais qualidade.
Faz muito sentido seguir a linha do ABM porque durante o processo de compras mais de uma pessoa da empresa (da conta) será envolvida então trabalhar a conta como um todo é essencial.
O Marketing conseguir ser efetivo para auxiliar o time de vendas vai precisar ser muito focado e por isso deve optar mais pela qualidade do que quantidade.
Metas Trimestrais agressivas
Já comentei anteriormente sobre os trimestres. O ano é dividio em Quarters e cada um deles terá uma meta que costumma ser agressiva, significando que são na casa dos milhões ou muito próximas a isso.
Startups não tem isso? Na Umbler e no Route não precisávamos gerar receitas também? Não tínhamos metas?
Claro que isso acontece nesse cenário, mas em empresas mais estabelecidas que venda produtos de ticket médio alto, o processo de vendas está mais estruturado e é mais comum que essa preocupação seja muito presente.
No meu tempo em Startups nos preocupávamos no dia a dia mais com as famosas SaaS Metrics do que com os resultados financeiros de vendas em cada trimestre.
Fazia sentido porque como queríamos crescer em escala resolver os problemas de custos de aquisição, redução do churn aumentando a retenção era mais importante do que dizer que tínhamos vendido tantos mil reais.
Trabalhando em uma empresa que tem bem clara as metas de vendas no ano e a cada quarter (metas que muitas vezes estão em contratos) não tem como fugir delas. Claro que se mede performance em um nível mais abstrato sem falar em dinheiro, mas no fim o que queremos é gerar o pipeline necessário para bater as metas.
E essas metas são bem agressivas.
Então as estratégias de Marketing vão acabar sendo pensadas para conquistar esses números. Temos que achar as melhores maneiras de entregar a nossa parte dentro das metas.
Nosso time tem que ser responsável por um percentual no que diz respeito a quanto o Marketing deve gerar de MQLs, quantos desses MQLs se tornarão clientes e foram gerados pelas nossas ações e quantas oportunidades que vieram de outras áreas foram impactadas pelo que produzimos.
É uma corrida contra o tempo. A cada dia que passa o final do trimestre está mais próximo e menos tempo temos para chegar nas nossas metas monetárias.
Cada contexto vai influenciar nas táticas escolhidas
Hoje grande parte dos materiais produzidos sobre Marketing e Tecnologia relacionados com o mercado B2B tem um viés de pequenas e médias empresas.
É fácil encontrar sobre estratégias de crescimento para Startups, mas sobre crescer em um cenário onde seu produto é muito focado em um perfil específico de empresas é mais complicado.
Como falei antes existem artigos que falam sobre o Marketing Baseado em Contas mas não é uma produção tão rica com diferentes exemplos e cases quanto o que temos para negócios mais transacionais.
Então as táticas escolhidas para executar as estratégias tendem a ser mais tradicionais e menos disruptivas.
Eu percebia que era muito mais fácil encontrar referências para resolver os problemas que surgiam no meu tempo de Umbler e Route do que agora.
Tenho o meu conhecimento em Marketing, minha experiência profissional e a infinidade de livros e artigos que já li sobre os mais variados temas no universo de Marketing, Vendas, Produto e negócios digitais.
Mas referências específicas para os desafios que encontro nesse mercado Enterprise são mais difíceis de encontrar.
E quando são encontrados são mais conceituais e menos com casos reais.
Talvez sejam encontrados em menor quantidade porque cada produto e cada empresa vai ter um público muito específico e particularidades no seu ciclo de Vendas. Algo que fica difícil de ser reproduzido por outras empresas facilmente.
Aqui não adianta saber como estruturar uma estratégia e campanhas de Inbound Marketing ou Outbound Marketing. Não serão templates padrão e fórmulas para execução que mudarão o jogo.
Exige juntar isso à realidade da empresa e do mercado Enterprise. As medidas de sucesso terão que ser diferentes das que costumamos ler nos blogs. Existirão muitas particularidades que devem ser levadas em conta.
Mesmo assim, ter acesso a referências de outras empresas que tiveram desafios semelhantes para entender a lógica da solução encontrada para mim seria uma grande força.
Talvez esse, no fim, seja o ponto que eu acho mais desafiador. Onde buscar ideias acionáveis que resolvam um problema como por exemplo: como tratar a aquisição de leads em um cenário no qual o produto tem oferta B2C e B2B e para o público B2C é uma solução barata mas para o B2B exige um investimento alto?
Marketing PMEs x Marketing Enterprise
Os pontos que eu levantei nesse artigo são os que eu não explorei tanto quanto devia quando fui perguntado sobre as diferenças do meu trabalho hoje no Grupo A do que na época do Route e Umbler.
Empresas com foco no público PMEs serão estruturadas de uma maneira, tanto no que diz respeito as pessoas dos times e forma que eles são organizados quanto nas atividades dos mesmos, que será diferente de empresas com foco Enterprise.
Isso vai definir o papel do time de Marketing. E isso vai definir o que o profissional da área vai ter que entregar e qual será o critério para avaliar sua efetividade.
Aí que mora a diferença.