Ontem cometi o “erro” de responder a um tweet do Líder de Estratégia em Produto da Basecamp no qual ele fazia um contraponto aos ataques a Apple sobre ela lançar agora funcionalidades que Android e Windows Phone já teriam lançado no passado. Dizia que essa atitude era o básico da estratégia de produto, você foca na diferenciação e depois vai atrás de funcionalidades que se igualam ao mercado. Nenhum problema quanto a isso, certo?
Então, qual foi o meu “erro”?
Eu respondi dizendo que a Apple é a única que consegue fazer isso e sair ilesa pois tudo que eles fazem é recebido pela base de fãs como inovador e não se consegue isso com o Android até porque existem vários tipos diferentes de Android.
E foi aí que choveu respostas e “uma aula” sobre o que é Marca e até Posicionamento.
O meu questionamento foi em cima de alguns fatores:
- Que outra empresa pode se dar ao luxo de não ter algumas funcionalidades que talvez sejam básicas para um segmento de pessoas e mesmo assim quando lançar causar impacto?
- A Apple tem na sua Marca e identidade a inovação e tudo que fazem tentam deixar isso explícito. No caso, Android e Windows Phone tem isso?
- A Apple faz um evento gigantesco para anunciar seus produtos. Evento que é esperado pela sua base de fãs. Se isso não é um fator de Marca, não sei o que é. Eventos Android e Windows tem o mesmo impacto no mercado?
- Android é muito genérico porque não tem uma identidade clara. Você pode ter Samsung e Motorola, por exemplo. Você pode dizer que é um telefone Android, mas tem tanto telefone Android que é bem provável que você esteja atrelando o Android na verdade a alguma fabricante do telefone. A Apple você não tem isso. Tem Marca e sistema operacional bem atrelados.
- Windows Phone nem posso falar muito porque nem existe mais (pelo menos nunca mais vi nada sobre).
Os argumentos centrais do pessoal da Basecamp que respondeu eram de que qualquer empresa poderia fazer porque Marca se constrói com as ações e não é um proxy que indica sucesso. Que Marca é um resultado de segunda ordem das ações e decisões da empresa e não o contrário.
Será mesmo?
Vamos pensar em Marca ao longo de uma linha do tempo. Aqui ela e Posicionamento andam bem juntas. O que vem antes: esses conceitos ou as ações? É difícil responder com clareza.
Pode ser que algumas empresas começaram sem ter muita ideia do que seriam e ao longo do tempo foram se descobrindo. Pode ser que algumas empresas sabiam muito bem o que queriam ser e isso guiou suas decisões. Mas até que ponto é possível fazer essa distinção?
Se considerarmos que Marca é só o resultado de segunda ordem de ações estamos falando que só o que é feito importa. Se isso for verdade, se amanhã a Apple tomassem outras deciões automaticamente não seria vista da mesma forma?
Eu sei e concordo que Marca e Posicionamento é uma construção e que tudo importa, mas acho difícil cravar essa distinção do que vem primeiro e essa separação de que a Marca não tem um valor muito grande nas decisões para o sucesso futuro.
Afinal, existem movimentos bem claros de reposicionamento e rebranding onde isso guia o futuro. No fim tudo o que é feito conta, mas sim, a Marca pode ser a primeira força.
Se considerarmos Marca como algo desenhado desde o início, o que vai fazer essa Marca e o Posicionamento dela ser real? As ações. Mas as ações são reflexo da Marca ou não?
Os argumentos continuavam de que Marca por si só não explicaria. São as ações e decisões que “toda” empresa pode tomar. Daí eu perguntei se outra empresa poderia ter lançado a plataforma Hey (novo cliente de Email do time da Basecamp) e ter tido o mesmo impacto.
Mesmo o Hey não tendo algumas funcionalidades que o Gmail e outras empresas oferecem. Uma outra empresa sem o contexto deles atrairia tanta atenção pro produto que dá uma experiência diferente para o email? Acho difícil.
O CEO respondeu que o Hey (e o Basecamp) é resultado de 21 anos da construção de Marca através de ações e decisões. Sim, exatamente o que eu estou falando.
Nenhuma outra empresa, nem mesmo o Google com Gmail, poderiam lançar o Hey que é um serviço que custa 99 Dólares por ano e dá uma nova experiência para se ler email. Só o Basecamp por causa da sua Marca.
Essa Marca foi construída através de decisões e ações, com certeza, mas o que veio primeiro?
Eu gosto bastante da visão e de seguir o time do Basecamp no Twitter, mas eu já havia comentado com pessoas próximas que sempre sentia um problema que, tudo que eles falam sobre negócios é o certo. É tipo o Taleb falando sobre o mundo: são os iluminados.
Dá pra notar quando as respostas começaram a ter coisas como “Branding 101”, “Product Strategy 101” ou de uma maneira que parece querer ensinar conceitos como se os outros não soubessem também.
A base dos argumentos contra a Marca da Apple poder explicar algumas decisões é justamente o motivo o qual explica porque a Marca faz a diferença nesse caso!
Alguns:
“Nobody can ‘position’ themselves with words alone. Everybody can see through this…”
“Brand is not a magic halo. It’s an effect of past actions…”
Então, eu concordo com tudo isso e por isso digo que a Apple pode se dar ao luxo hoje de ir pro mercado com funcionalidades que outros já tinham e isso passar como inovador ou como uma decisão acertada.
Eu duvido que de uma lista com Apple, Android, Windows, Samsung e Motorola, com uma pergunta sobre quem é mais inovador, a Apple não seria a primeira colocada. Existem piadas desde sempre sobre isso:
Here is an old comic ahead of #WWDC20 for lulz. Credit https://t.co/2ZrhAoH5F2 #WWDC2020 #Apple #Microsoft pic.twitter.com/0Za9UgSQ5Q
— The Best Linux Blog In the Unixverse (@nixcraft) June 22, 2020
Em um momento da conversa foi citado o Kano Model. Pra mim, o Kano Model confirma o que eu estava falando desde o início.
Basicamente existem 3 níveis: Expectativas básicas, Performance e Encantador.
Obviamente, cada um desses itens é influenciado pelo mercado em questão. Isso surgiu na conversa quando eu comentei sobre a expectativa sobre a Apple e a sua base de fãs, e até mesmo esse ente sem rosto chamado mercado é diferente da expectativa de outras empresas.
Na minha opinião, quando falamos nesse caso dos Smartphones uma comparação Android e Apple estamos comparando uma commodity a uma Marca bem reconhecida. Eu duvido que a marca Android cause as mesmas sensações que a marca Apple.
Talvez Samsung e Motorola, como citei anteriormente, gerassem alguma reação mas mesmo assim, mesmo com lançamentos diferentes como telefones dobráveis (Razr voltando e os de tela dobrável que tem surgido) o quanto o impacto sobre novidade, sobre focar no diferencial e sobre isso ser Product Strategy 101 é reconhecido?
Diria que a gente pode classicar a Apple e seu desenvolvimento do iPhone (primeira vez que falo explicitamente desse produto aqui) como no mercado de Smartphones. Mas será mesmo? Acho que não é assim que as pessoas enxergam de fato.
Por que, se fosse, qual a razão deles conseguirem focar em coisas que os outros já tinham e mesmo assim serem vistos sempre como inovadores e que essas funcionalidades não faziam falta?
Pode ser que as funcionalidades em questão não fossem atrativas, ok. Mas por qual razão, se não tivesse nenhum motivo de atração a Apple faria depois? Alguma coisa tem.
Acho que Apple e iPhone no mercado de Smartphones acabam sendo os que ditam o que vai ser feito e o que é importante. Isso porque eles controlam todo o ecossistema, nada é solto na linha de produto deles. Tudo faz sentido um com o outro.
Outras empresas do mercado começam a tentar fazer isso, mas nenhuma tem a história e a base de fãs que a Apple tem.
Talvez o que é Básico para ser considerado, o esperado para a Performance ou o que é Encantador seja muito diferente na percepção das pessoas. E se isso acontece, como desatrelar a força da inovação e até decisões sobre estratégia desse fator?
É muito fácil dizer que é a boa prática que qualquer empresa poderia praticar mas com um mercado cada vez mais commoditizado não é tão simples assim.
Claro que em algum momento é preciso começar para se diferenciar e é um caminho longo de construção mas nem todas empresas conseguem e nem todas talvez precisem.
De novo, entendo que a linha entre a Marca guiando o rumo e as ações e decisões construindo a Marca é bem tênue na história da empresa. O que veio primeiro? Não sei, mas sei que decisões não são puramente racionais.
Esse até é um ponto que sempre me questiono quando leio sobre teorias a respeito de como as pessoas escolhem os produtos. Qualquer teoria sobre porque as pessoas tomam decisões se não considerar aspectos intangíveis como percepção e emoção, o que é muito influenciado pela Marca, deixa de fora muitas respostas.
Acho interessante que na postagem que começou toda a thread até o Windows Phone era lembrado. Vamos falar da Microsoft.
No cartoon acima, que faz uma piada justamente com a Microsoft e o Surface contra a Apple e o iPad, mostra que o trabalho para ser diferenciado e apostar na diferenciação é além do produto em si. Qual dispositivo lançado pela Microsoft na última década foi recebido como inovador?
A Microsoft tem uma marca que está sendo reposicionada nesses anos do Satella de CEO, estão abraçando o Open Source e se tornando mais amigáveis. Será que se hoje eles começassem a focar somente em diferenciais para um produto como o navegador deles, funcionaria de fato?
Acho que não e eles estão tentando fortemente nos últimos anos. Eles literalmente descontinuaram o Internet Explorer para começar do zero mas mesmo assim, ao menos no meu círculo de amizades, nunca escutei alguém dizendo que consideraria voltar a usar o Edge.
Mas no meu Twitter eu vi alguém falando que estava pensando em voltar a usar o Safari. Fui pesquisar e achei uma notícia que diz:
macOS 11.0 Big Sur recebe melhorias no Safari e visual do iOS [Tecnoblog]
Então, no Kano Model dos tablets será que estariam no mesmo nível o Surface e o iPad? Por que as inovações ou o foco na diferenciação do Surface fica na sombre do produto que o iPad é?
Enfim, é óbvio que querer buscar a diferenciação é importante por muitas razões. Não é a toa que hoje um mercado como o SaaS está contratando profissionais de Marketing de Produto e trabalhando Proposta de Valor, Posicionamento e construção da mensagem para se diferenciar no mercado.
Também é fato que as ações e tudo que a empresa faz reflete na Marca mas depois de um tempo essas coisas se misturam de uma forma que começa a dificultar o entendimento do que influencia o que.
Mas isso não significa que empresas não tenham vantagem e consigam ter alguns benefícios simplesmente por terem uma Marca forte. Que bom que elas foram construídas ao longo do tempo, mas hoje elas têm um impacto muito grande sim.
A história tá aí pra contar que muitas empresas tiveram problemas sérios de reputação mas só se salvaram por terem Marcas fortes. Algumas até podem chegar no fim, mas sempre depois de muito tempo de coisas erradas acontecendo.
Achar que a Marca é sempre um resultado de segunda ordem para entender os resultados é ignorar a força que ela tem. Acho que o mercado de bens de consumo que se utiliza muito de testes cego já descobriu que nem sempre o melhor produto é percebido da mesma forma quando se sabe a Marca.
Pra terminar vou reforçar meu tweet: no que diz respeito ao mercado de Smartphones ou seja lá qual o mercado que seu público acredita que ela está, ela pode fazer algumas coisas que as outras não podem. Ela pode se dar ao luxo de lançar tempos depois funcionalidades que outros já tem. Isso não é para qualquer um.