Até o final de 2013 eu nunca havia ouvido falar sobre Growth Hacking. A primeira vez que ouvi foi em uma conversa a respeito de uma vaga para trabalhar com Marketing em uma Startup que estava sendo lançada.

Durante a entrevista recebi um teste: estudar alguns conceitos e depois voltar dois dias na empresa para realizar algumas atividades e mostrar o que eu havia aprendido.

Um dos conceitos era o de Growth Hacking.

O primeiro material que eu li sobre o assunto foi o The Definite Guide to Growth Hacking que o Neil Patel publicou no seu site Quicksprout. Lendo esse guia definitivo aprendi sobre outros profissionais como, por exemplo, Sean Ellis o criador do termo.

Sean Ellis para diferenciar um Growth Hacker de um profissional de Marketing disse:

Um Growth Hacker é um profissional que o verdadeiro norte é o crescimento.

Não conseguia entender porque achavam que para um profissional de Marketing o crescimento não é onde se quer chegar.

Isso ficou na minha cabeça por um tempo me incomodando mas resolvi deixar pra lá pois talvez na época eu não entendesse bem o assunto e com o tempo ficaria clara essa distinção.

Continuei lendo e buscando mais conteúdo sobre Growth Hacking. Quanto mais eu aprendia e pensava o que deveria fazer para ajudar o Route a crescer (acabei passando no teste e consegui a vaga nessa Startup) percebi uma coisa:

Todo mundo pensa que Marketing é gastar muito em anúncios e pensar somente em branding e que Growth Hacking é alavancar o crescimento com estratégias inteligentes usando a tecnologia como aliada. Isso sem gastar quase nada de dinheiro, algo que as Startups geralmente nem tem.

Esse equívoco sobre o que é Marketing ficou muito claro quando comecei a ler textos de como essas Startups de sucesso de hoje foram construídas sem gastar nada em Marketing.

Vi que na verdade o que elas não fizeram foi colocar um monte de dinheiro em promoção e comunicação (publicidade).

Mas então, o que elas fizeram? Colocaram um esforço enorme em desenvolvimento do produto, relacionamento com o cliente (customer success), relações públicas, distribuição eficiente, entre outras coisas.

Isso tudo pode ser Growth Hacking mas também é Marketing.

O que é Marketing então?

Segundo a Associação de Marketing Americana a definição de Marketing é:

Marketing é a atividade, conjunto de instituições e processos para criar, comunicar, entregar e estabelecer a troca de ofertas que tem valor para os consumidores, clientes, parceiros e a sociedade como um todo. (Aprovado em julho de 2013)

Como podemos ver não tem nada que diz que Marketing é igual a propaganda e/ou pagar para atrair a atenção das pessoas. Nada diz que é uma atividade que tem como foco gastar muito dinheiro.

O que fica claro é que Marketing é tudo que uma empresa faz para gerar valor para todo mundo. Todas as empresas que crescem de maneira sustentável é porque entregaram valor àqueles que entraram no funil de Marketing e Vendas (ou no funil AARRR se preferir).

Nenhuma empresa vai durar muito tempo se não oferecer valor para as pessoas e isso vale para as mais tradicionais e para as Startups legais que utilizam Growth Hacking.

Talvez você esteja pensando que essa definição é muito abrangente. E é mesmo.

Muitos autores defendem que a atividade de Marketing deve ser executada por toda a organização e não apenas centralizada em um único departamento (engenheiros fazendo marketing, muitos acham que isso é Growth Hacking).

Todo mundo deve criar valor. Todo mundo deve fazer Marketing.

Mas para deixar as coisas mais claras sobre porque acredito que Growth Hacking é Marketing, vou entrar mais no detalhe da atividade.

Os 4 Ps do Marketing

Todo mundo já deve ter ouvido falar nos 4 Ps do Marketing (Mix de Marketing). Isso é Marketing 101. São eles: Produto, Preço, Promoção e Praça (distribuição).

Vou usar da Wikipedia a descrição de cada um dos Ps (muito trabalho pegar o meu Kotler agora):

Produto

Produto é visto como um item que satisfaça uma demanda do consumidor. Pode ser um bem tangível ou um serviço intangível. Os produtos tangíveis são aqueles que tem uma existência física independente.

Exemplos típicos de produtos de massa e objetos tangíveis são os carros, as lâminas de barbear e os smartphones. Um exemplo menos óbvio de um serviço de massa é o sistema operacional de computadores.

Todo produto está sujeito a um ciclo de vida que inclui uma fase de crescimento seguida de uma fase de maturidade e por fim uma de declínio quando as vendas começam a cair. Profissionais de Marketing devem pesquisar cuidadosamente quanto tempo deve ter o ciclo de vida do produto e focar sua atenção nos diferentes desafios que cada fase proporciona.

O profissional também deve considerar o mix de produtos. Podem expandir o mix de um produto aumentando a profundidade de uma linha ou aumentando o número de linhas do produto. Devem pensar em como posicionar o produto, como explorar a marca, como explorar os recursos da organização e como configurar o mix de produtos para que cada um complemente o outro.

Também deve criar estratégias de desenvolvimento do produto.

Preço

O valor que o consumidor paga pela produto. O preço é muito importante pois determina o lucro e a sobrevivência da organização. Ajustar o preço tem um impacto profundo na estratégia de marketing e dependendo da elasticidade do preço irá afetar a demanda e as vendas também.

O profissional deve estabelecer um preço que complemente os outros elementos do mix de Marketing.

Ao estabelecer um preço o profissional deve levar em consideração o valor percebido do produto pelo cliente. Existem três estratégias de preço básicas: market skimming pricing (onde primeiro se estabelece um valor mais alto e com o tempo vai baixando), marketing penetration pricing (se estabelece um valor competitivo para penetrar no mercado) e neutral pricing (se estabelece um valor similar a outros produtos no seu mercado).

O valor de referência (quando um consumidor compara seu preço com o de concorrentes) e o valor diferencial (como o consumidor vê os atributos do seu produto versus o de outros produtos) devem ser levados em conta também.

Promoção

Todos os métodos de comunicação que um profissional de marketing pode usar para entregar informações sobre o produto para diferentes grupos. Em promoção estão inclusos atividades como: publicidade e propaganda, relações públicas, organização de vendas e promoção de vendas.

Publicidade e propaganda cobre qualquer comunicação que é paga de anúncios no cinema, rádio e internet até anúncios impressos e outdoors.

Relações públicas é a atividade onde a comunicação não é paga. Inclui press releases, patrocínios negociados, exposições, conferências, seminários, feiras e eventos.

O boca-a-boca é aparentemente uma comunicação informal sobre um produto feita por indivíduos, consumidores satisfeitos ou pessoas engajadas especificamente em criar e iniciar o boca-a-boca.

Praça (distribuição)

Refere-se a distribuir o produto em um local onde é conveniente aos consumidores terem acesso. Diferentes estratégias como distribuição intensiva, distribuição seletiva, distribuição exclusiva e franquias podem ser usadas pelo profissional de marketing para complementar os outros aspectos do mix de marketing.

Certo, mas como os 4 Ps do Marketing se conectam com o que se fala sobre Growth Hacking?

Casos famosos de Growth Hacking

Olhando casos famosos de Growth Hacking, praticamente todos podem ser atribuídos a um dos Ps do Mix de Marketing. Aqueles que não ficam muito claros qual dos Ps melhor define envolvem entender o comportamento do consumidor… outro campo de estudo do Marketing.

Para ilustrar isso peguei alguns exemplos da seguinte lista: Top 10 Growth Hacks of all times by App Virality.

Dessa lista, Airbnb, LinkedIn, Youtube, Hotmail, Buffer, Facebook e PayPal se beneficiaram de sua estratégia de distribuição (Praça). Permitindo que seus serviços fossem facilmente encontrados pela web deu a visibilidade necessária.

Mas não precisa ser somente na internet. Facebook, Uber e Yelp tiveram uma estratégia de distribuição que foi definida a conquistar pequenos espaços aos poucos. Facebook entre universitários, Yelp e Uber escolhendo uma cidade por vez para começar a expansão (a história do crescimento dessas duas empresas está bem escrita no livro Startup Growth Engines do Sean Ellis e Morgan Brown).

O Dropbox usou o P de Promoção para dar benefícios as pessoas que compartilhassem seu serviço com os amigos (a distribuição também é importante aqui). Hoje é bem comum startups utilizaram de promoções incentivando a indicação do serviço em troca de benefícios. A HotJar e a Umbler estão com estratégias bem legais nesse sentido. Vale olhar essas empresas.

O Twitter e o Quora focaram bastante no uso do produto (o P de produto) e comportamento do consumidor para criar uma solução que gerasse mais valor aos usuários. A cada mudança que vemos nos serviços das Startups que usamos é o P de produto em ação. O Slack é um grande exemplo de como que pensar o produto pode ser um Growth Hacking.

O Growth Hack do Hotmail tem muito de sua estratégia de preço no momento que enfatiza que seu serviço é de graça.

Apenas com uma pequena análise podemos distribuir os hacks entre os 4Ps e tenho certeza que se aprofundarmos na questão poderíamos dissecar ainda mais os exemplos incluindo outros itens do Mix de Marketing para cada um deles.

Mas isso não vem ao caso agora. O que importa é:

Isso tudo é Growth Hacking? Sim. Isso tudo é Marketing? Sim. Growth Hacking é Marketing? Sim.

Agora que está clara a ideia que dá título ao post porque me incomodou tanto e tirou da zona de conforto pensar nessa briga Growth Hacking e Marketing?

Porque em 1984 surgiu um termo na literatura de Marketing chamado Guerrila Marketing: o tratado do marketing focado em resultado, crescimento e com pouca verba envolvida.

Guerrila Marketing: o pai do mindset Growth Hacker

Em 1984 Jay Conrad Levinson publicou a primeira edição do seu famoso livro Guerrila Marketing: Easy and Inexpensive Strategies for Making Big Profits from Your Small Business.

Hoje poderia ser reescrito como Guerilla Marketing: Agile and Inexpensive Strategies for Making Big Profits from your Startup. Não soaria mais legal na nossa cultura de Startups?

Toda ideia do livro é como explorar o melhor de diferentes estratégias, sempre medindo resultados, testando, sendo ágil e focando no melhor ROI possível. Sem desperdício de dinheiro. Crescimento é o que importa.

Precisamos lembrar que foi escrito em 1984, estamos falando de um mundo offline. Mesmo assim Jay trás insights de como testar e analisar os resultados das campanhas. Isso tudo para ao longo do livro focar em crescimento e receitas sem gastar muito dinheiro.

Ele já falava em coisas que consideramos melhores práticas no nosso mundo online e digital. Práticas que são exploradas e alavancadas por Growth Hackers.

Mais uma vez: Growth Hacking é Marketing!

Provavelmente todos os melhores profissionais de Marketing no mundo vão dizer que o Marketing em uma empresa não deve ser uma atividade realizada em apenas um departamento apenas, mas por cada uma das pessoas que fazem parte dessa organização. Seja ela uma multinacional, um estabelecimento local ou uma Startup.

O CEO deve fazer Marketing. O estagiário deve fazer Marketing. O pessoal do Recursos Humanos, Finanças e Suporte devem fazer Marketing.

Todos devem trabalhar para entregar valor para os clientes, consumidores, parceiros e à sociedade como um todo.

Quando falamos para empreendedores em Startups que Growth Hacking não é Marketing, estamos dizendo que eles não precisam de Marketing. Aposto que muitas empresas tentam implementar ideias de Growth Hacking para crescer e não conseguem porque não entregam valor, não pensaram no Marketing como ele deve ser visto e entendido.

Ninguém consegue crescer um produto/serviço que ninguém quer. Que não entrega valor.

Sem valor? Sem marketing. Sem Marketing? Sem crescimento sustentável.


Esse artigo eu publiquei pela primeira vez no dia 5 de outubro de 2015 em uma versão antiga do meu blog. Depois ele foi para minha conta pessoal no Medium e agora volta pra dentro do meu próprio domínio.