Com certeza Product Led Growth (PLG) vai ser o assunto no universo das startups SaaS aqui no Brasil. Ano passado com o tema no RD Summit, agora com a própria Resultados Digitais falando sobre o assunto e a busca por esse modelo. Não tenho dúvidas que vai ser um tópico muito quente.
Além dessa movimentação por aqui, lá fora é um assunto que também está em alta. Faço parte de um grupo de Slack sobre o assunto e a cada dia tem mais gente. Profissionais de muitas startups conhecidas do Vale do Sílicio estão por lá falando sobre esse conceito.
Mas o que é o Product Led Growth?
A ideia do PLG é bem direta, nada mais é do que criar uma experiência de uso do produto que leve ao crescimento.
A primeira publicação que vi falando abertamente sobre isso foi a OpenView Partners e parece que foram os que criaram esse termo.
Parece simples, certo? E é. O conceito é simples e intuitivo se formos pensar que se uma empresa SaaS precisa escalar apostando fortemente em Marketing e Vendas, significa que é inevitável ter junto ao crescimento uma aposta em mais e mais pessoas para suportar isso.
Além de Marketing e Vendas é bem provável que vai precisar de mais gente de Suporte e Sucesso do Cliente. Escalar implica em aumento de custos, ou seja, um CAC cada vez maior também.
Então, se uma empresa SaaS consegue entregar valor ao usuário com o próprio produto, é possível dar uma experiência em boa parte self-service e só precisar entrar em um contato mais próximo no momento certo.
O difícil aqui não é o siginificado, por isso o título desse post fala em desmistificar.
Na verdade nem sei se já colocaram uma místicas em torno do conceito por aqui, mas como sei que é comum isso acontecer quando tem algo novo, resolvi fazer essa provocação.
O difícil é criar essa experiência e é nessa parte que quero focar.
SaaS e Self-Service não é algo novo
Eu me considero uma pessoa de sorte. Quando iria imaginar que minha carreira profissional começasse a crescer em uma startup, SaaS, de Automação de Marketing no fim de 2013 quando fui contratado para entrar no time do Route?
Naquela época eu achava que ia seguir a vida trabalhando dentro de agências na área de planejamento e acabei ficando 3 anos tentando fazer um SaaS decolar.
Desde o dia 1 o nosso modelo de negócio era ser uma ferramenta self-service.
Como estávamos no mercado de automação mas tínhamos um viés diferente de ferramentas como Hubspot e RD Station (nossos gatilhos para as automações focavam muito em eventos comportamentais como cliques e downloads) e nossa primeira ideia era o mercado fora do Brasil olhávamos o exemplo de startups como Intercom, CustomerIO, Vero e Drift.
Apesar de que com o crescimento elas foram estruturando times de vendas e de marketing, seguiam uma estratégia onde gatilhos específicos significavam envio de uma determinada mensagem. Onde todo o onboarding dos usuários deveria guiá-los até o sucesso.
Antes mesmo de ter um termo para explicar o uso do produto como motor de crescimento e falar de uma complexidade que surge a medida que o mercado fica mais maduro e competitivo, muitas empresas já o praticavam.
Se você está vendendo planos de US$50,00 por mês de maneira recorrente, não vale a pena colocar uma pessoa para fazer o serviço de converter o usuário em cliente.
Ao invés de se falar sobre PLG, existia muito conteúdo sobre onboarding, ativação, retenção, automação de emails para guiar o customer lifecycle, “Aha! Moments”, “Wow! Moments” e por aí vai.
Nesse período de Route nosso time consumia muito desses conteúdos e era um grande desafio executá-lo muito bem.
Condições para se ter uma estratégia de PLG efetiva
Já vimos que é intuitivo e até natural que empresas SaaS utilizem Product Led Growth. Mas será que são todas que se beneficiam com isso ou existem condições ideias para se apostar nessa estratégia?
Tenho um ponto de vista de que existem algumas condições e uma delas é a maturidade do mercado.
Maturidade do Mercado
O mercado precisa estar educado e ciente do contexto de como funciona o produto ou o modelo de negócio para que seja efetivo.
Por acaso, em um material sobre o assunto encontrei essa citação do Director of Product Management da Salesforce:
“Product-led is the only distribution model worth undertaking once the market is mature.” Pankaj Prasad
Falando sobre o Route, queríamos que os usuários que se tornavam testers da nossa plataforma entendessem como Automação de Marketing funcionava, o que significava fazer o tracking de eventos para criar os gatilhos e o fato de que nosso time oferecia um atendimento reativo na maior parte das vezes (era só proativo dependendo das informações e uso da ferramenta).
Estávamos em 2014, o RD Station estava crescendo mas não era esse fenômeno que é hoje. E o modelo deles era mais próximo ao do HubSpot e nós estávamos ainda distante de querer ser qualquer um deles.
Não iríamos pegar ninguém pela mão. Não teríamos um time de vendas tentando vender ou um de Suporte ou Customer Success para implementar e cobrar por isso.
Queríamos criar uma experiência onde por si só a pessoa começasse a ver o valor.
Mas como conseguiríamos entregar o valor sem nem ao menos as pessoas tinham muito ideia do que estávamos fazendo?
Cometemos erros em diversas frentes e já falei sobre os problemas no desenvolvimento do nosso negócio e de nosso produto, mas queríamos deixar as pessoas por conta estando elas no escuro.
Isso não funciona.
Para provar como o modelo funcionava se as pessoas estivesses mais maduras (mesmo o mercado não estando tão maduro assim), nossos melhores usuários e os que se tornaram clientes já tinham bem claro o que queriam fazer e sabiam que nosso produto entregava.
Com esses, nosso onboarding, mensagens e comunicação mais próxima funcionavam.
Qualidade nos dados coletados
Vamos supor que o seu mercado é maduro e você sabe que está na hora de pensar com carinho em PLG. Você precisará de dados sobre seus usuários e clientes.
E esses dados precisam ser muito bons ou ao menos em uma estrutura que permita facilmente arrumá-los caso seja necessário fazer mudanças.
Algumas coisas básicas você precisa ter para implementar o Product Led Growth:
- Você sabe quem é seu cliente ideal?
- Você faz as perguntas certas durante o fluxo de cadastro e ao longo do uso do produto?
- Você consegue distinguir entre 2 usuários que pareçam iguais mas que um realmente tem mais chances de pagar pelo seu produto?
- Você sabe quais são as conversões chave, as etapas de ativação, dentro do seu produto?
- Você tem uma ideia dos passos que os melhores clientes tomam dentro da jornada de uso do seu produto e que possa servir de parâmetro para comparar outros usuários?
- Além de saber o que leva alguém a se tornar cliente, você consegue prever o que leva um cliente a dar churn?
Com certeza quem utiliza PLG vai pensar em outros pontos a respeito disso, mas vejo que essas são as mais relevantes porque são elas que vão pintar o quadro de quem são os Product Qualified Leads.
Assim como Marketing e Vendas tem os tradicionais MQLs (Marketing Qualified Leads) e SQLs (Sales Qualified Leads), no universo do Product Led Growth os PQLs (Product Qualified Leads) são os que mais importam.
Essa imagem você vai encontrar em muitos artigos sobre o assunto, mas é porque ela é realmente boa para explicar:
Para construir o PQL você precisa ter as informações de uso do produto mas para qualificar, diferenciar e priorizar quando e quem deve fazer um contato mais próximo, você precisa informações daquela pessoa.
Um ponto que eu vejo muito problema é no que diz respeito as informações que só pedindo ao usuário é que conseguimos (ao menos sem ter que pagar pequenas fortunas para empresas como Clearbit que ajudam nessa coleta de dados de maneira automática).
Para saber quais informações são necessárias é preciso ter claro qual é o perfil do cliente ideal (ICP, sigla em inglês).
Com o ICP você sabe o que perguntar durante o cadastro, durante o fluxo de onboarding e ao longo do tempo em pequenas conversões. O problema aqui é que as empresas tendem a assumir como verdade absoluta que menos perguntas em formulários ajudam na conversão.
Isso é verdade até certo ponto, mas as empresas precisam colocar o que é mais importante ao construir sua estratégia de PLG:
Uma quantidade maior sem saber exatamente quem são os melhores usuários e possíveis clientes ou correr o risco de ter uma queda em conversões mas ser mais eficiente nas conversão ao longo do funil?
Nesse sentido é bem comum se ler sobre qualificações que tiram o quanto antes o usuário de um fluxo self-service se um usuário tem critérios importantes como cargo, tamanho de empresa e budget por exemplo.
Mas você só saberá isso se perguntar.
Supondo que você tem esses dados o próximo passo é saber se você consegue ver dois usuários e diferenciá-los?
Se duas pessoas tem comportamentos parecidos, sabe qual deve ser prioridade para entrar em um fluxo mais próximo e pessoal para a conversão de vendas? Pode parecer algo simples, mas nem sempre é. Errar a priorização ou deixar passar algo por falta de informação pode custar caro.
Já passei por um cenário desses.
Uma vez entrei em férias e nosso time é quem acompanhava os novos usuários e emails que recebiam sobre o Route. Como não era algo do dia a dia deles, essa análise era feita em lotes ao longo da semana.
Só que um desses emails era de um cara de Marketing de uma startup chamada Mention. Essa pessoa era o Guillaume Cabane que hoje é muito conhecido no Vale como o “Mad Scientist”. Passou por empresas como Segment e Drift.
Era o VP de Marketing de uma startup que nós já havíamos mapeado mas como não tínhamos critérios claros de priorização, se perdeu entre outras mensagens de usuários interessados e que estavam testando nosso produto.
No fim sei que ele escolheu o CustomerIO pro Mention. Levou essa ferramenta para o Segment e para o Drift. Talvez poderia ter sido o Route.
Supondo que essa etapa de qualificação das pessoas que estão dentro do seu produto está bem formalizada, como estão os dados de uso? Do que elas estão fazendo?
Essa etapa é outra que costumo ver empresas não prestando a devida atenção. Ou fazem o tracking de tudo ou de nada.
É preciso colocar um esforço grande em definir quais são as ações chave que devem ser medidas e começar daí. São hipóteses que você vai criar e testar.
Saber o que é um usuário ativo para sua empresa, quais são as conversões chave que devem ocorrer para o usuário começar a ter sucesso e ver valor e quando é o momento crucial que mostra que daquele ponto em diante dificilmente a pessoa irá abandonar seu produto devem ser pensados com antecedência.
Pense nisso como o clássico build > measure > learn. Você não vai acertar de primeira mas é essencial que pense nisso ao começar a coletar os dados.
Bom, você tem tudo isso e está vendo algumas pessoas se tornando clientes, outras abandonando antes dessa etapa e outras abandonando após terem pago por algum tempo.
Product Led Growth é sobre crescimento, então não é só as etapas de aquisição, mas tem um peso muito forte na etapa de retenção.
Primeiro, você consegue com os dados dos usuários e de uso ter uma boa ideia quais etapas as pessoas que se tornaram clientes pagantes tem em comum na sua jornada?
Você precisa olhar sua base e ver coisas como: nossos clientes tendem a fazer X ação logo que se cadastram, a ação Y dentro desse outro período, consome esse material ao longo da jornada e não abrem mais do que Z chamados.
Com essa hipótese você sabe por onde guiar e incentivar determinadas ações e quais ações você deve fazer de tudo para que não sejam tomadas.
Mesmo que o PLG irá determinar que o menor contato humano possível deva ocorrer ao longo dessa jornada, isso não significa o famoso “construa e eles virão”. Vai ter muito trabalho humano e de otimização por trás.
A diferença é que esse trabalho ao ser executado irá escalar sem esforço maior ao invés de ter que por mais e mais pessoas para levar pela mão as pessoas usando seu produto.
E, por outro lado, você também deve saber quais comportamentos tendem a levar uma pessoa a abandonar. Evitar o churn que é evitável é essencial e muito importante ao utilizar o PLG.
Isso porquê se você precisar combater isso com mais e mais pessoas, não adianta muito né?
Modelo de negócio e monetização
Esse é um ponto que eu já debati algumas vezes no canal do Slack sobre esse assunto.
A HubSpot se tornou um case de uso. Nesse mesmo texto citei um diretor do Salesforce. Essas são duas empresas com produtos que não tem um preço muito baixo e precisam de uma força de vendas e suporte muito grande.
Então o que eu penso é o seguinte: o PLG tem mais chances de funcionar com mais efetividade se você vende para SMBs e tem um modelo de preços e monetização que não vale a pena colocar muitas pessoas a se envolverem em todo o processo.
Se você tem como foco vendas enterprise com um ticket-médio alto, é melhor que continue com uma ideia de contato bem personalizado porque seu cliente irá pedir isso.
Talvez o PLG seja interessante, para essas empresas mais enterprise ou com produtos de ticket-médio mais alto, ao se buscar novos clientes em algum mercado diferente ou se o seu próprio mercado está com uma dificuldade de crescimento e os custos estão ficando cada vez mais altos para se conseguir novos clientes ou reter os atuais.
Outro detalhe é que uma das melhores maneiras de se começar é ter ofertas freemium ou ao menos um período de testes suficiente para o usuário conseguir ver o valor que espera do produto. Você quer que as pessoas usem seu produto por um tempo para conseguir ter toda essa visão de entrega de valor e propensão a pagar.
Muitos SaaS tem planos que variam de básicos e acessíveis até os mais altos. Muitos desses tem planos gratuitos ou períodos de testes otimizados para serem ideias para que as pessoas vejam o valor do produto.
É nesse ponto que eu já debati algumas vezes com outras pessoas.
O caso da HubSpot é emblemático pra mim. Eles tem case de PLG, defendem o modelo. Mas a porta de entrada é um produto que não entrega o valor que sua plataforma se propõe a entregar.
Se você quiser usar o pacote completo ainda terá que pagar a implementação e pedir para falar com seu time de consultores. O caso deles mostra claramente que eles misturam dois modelos.
Mas isso porque o modelo de preços e monetização são bem distintos. Por um lado tem um plano gratuito de Marketing e Vendas que dá pequenas funcionalidades e um plano com essas mesmas funcionalidades mas com um pouco mais de ofertas.
De outro tem os hubs de Marketing, Vendas e Suporte que são produtos muito completos e que não são todas as empresas que tem capacidade de investir.
Sinceramente, não consigo ver como a Salesforce poderia usar o PLG. Já fui usuário e pra conseguir suporte ou fazer ajustes era preciso buscar consultorias especializadas. Não era algo programado dentro da própria ferramenta.
Poderia dizer que eles utilizam o PLG mais para a retenção do que na fase de aquisição, mas tenho dúvidas de quanto isso é realmente implementado nesses casos.
No Route a empresa já havia nascido para utilizar o produto como motor de crescimento, mesmo que ainda não fosse falado dessa forma.
Muitos SaaS que conhecemos hoje começaram assim e só após crescer é que estruturaram times de Marketing, Vendas, Customer Success e Suporte. Elas já tem isso em seu DNA e só passaram a criar estratégias mais efetivas.
Aqui no Brasil vejo que o desafio é o oposto.
Desafios das empresas SaaS brasileiras
Em um almoço com um amigo logo que eu cheguei em São Paulo, conversávamos sobre produtos, startups e SaaS e ele falou uma coisa que fez muito sentido: aqui temos empresas de Marketing e Vendas, não de produto.
Era a primeira vez que ouvia alguém falando isso, mas depois ouvi essa mesma coisa de outros profissionais.
Talvez tenha sido nesse momento que nossas empresas começaram a olhar para o PLG.
Então não é só repensar como vai ser a experiência dos usuários com os produtos SaaS brasileiros mas como será a experiência dos times que hoje estão acostumados com um outro tipo de trabalho.
A estrutura dos times tem que mudar. Se o custo de aquisição está muito alto e por isso escalar está difícil, significa que com o Product Led Growth os times terão que ser mais enxutos.
Esse movimento pode causar aquelas demissões em massa que no último ano vimos acontecer em algumas startups.
Os times de Marketing, Vendas, Customer Success e Suporte passarão a ter um papel mais reativo em boa parte do tempo e proativo só em relação a determinados tipos de usuários.
Isso muda quais suas preocupações no dia-a-dia. Certamente elas precisarão se envolver muito na construção do que é o Product Qualified Leads, do mapeamento dos momentos-chave e qual será o papel delas durante a jornada dos usuários e clientes.
Sobre estrutura de times e papéis de cada um deles, tem um episódio do Seeking Wisdom do Drift com a ex-Vp de Customer Success & Sales da Digital Ocean.
Eles não falam exatamente de Product Led Growth, mas no fundo estão falando sobre isso.
Ela explica como era a estrutura da Digital Ocean e o ferramental que utilizavam para mapear os PQLs, como diferenciavam quais usuários tinham atendimento personalizado, quais iam por fluxos mais automatizados e quais eram os premium.
Sempre que posso mando esse vídeo como inspiração para quem quer trabalhar com PLG e PQLs.
Vejo com bastante entusiasmo essa movimentação de empresas SaaS no Brasil a adotar esse modelo. Acho que vai trazer uma maturidade maior em tudo que envolve nossos produtos de tecnologia.
Se o motor de crescimento estará fortemente ligado ao produto, tanto para aquisição e retenção, cada vez mais nossos produtos precisarão de uma gestão de produtos melhor, de uma cultura de desenvolvimento melhor e pronta para respostas rápidas.
Os times de Marketing e Vendas precisarão entender da jornada dos usuários e clientes. Precisarão trabalhar muito integrados entre si e junto aos outros times, como de Produto e CS.
Assim como qualquer escolha de modelos tudo deve ser feito com muito cuidado indo além do hype. O bom é que tem muito material além dos focados em PLG. Pesquise sobre onboarding, lifecycle marketing, ativação, aha! e wow moments, retenção e churn.
Não veja o PLG como algo místico e novo. Muito já foi feito nesse sentido e tem muita inspiração por aí. Mas com outros nomes.
O Product Led Growth é um modelo que faz muito sentido para empresas SaaS, mas toda mudança deve ser feita com cuidado.